Em geral, para o professor, o feedback é atrelado à observação de aula, então ele é comumente baseado numa visita realizada em sala ou no acesso à gravação de uma aula. Como esse processo costuma ser um recorte isolado feito esporadicamente, ele pode causar algum desconforto.
Entretanto, se houver constância, a observação de aulas é uma prática impulsionadora, porque ela caracteriza uma formação continuada dos professores. A observação de aula propicia uma conversa mais focada no educador individualmente, ao mesmo tempo que traz a possibilidade de analisar teoria e prática e de discutir práticas, estratégias e novos conhecimentos para a formação de todo o grupo.
Geralmente feita por um coordenador (embora também possa ser feita por outro educador), ela é seguida pelo feedback, que tem como principal objetivo o desenvolvimento do professor. Isso não quer dizer que esse aspecto o torna mais fácil. Dar e receber feedback é um assunto difícil, e, como diz Brené Brown, autora, professora e pesquisadora que estuda a coragem, a vulnerabilidade, a vergonha e a empatia, assuntos difíceis são sempre difíceis. O que muda é que, com o tempo, ganhamos experiência e prática para tratar desses assuntos e ressignificamos como nos sentimos com relação a eles.
Também por isso o assunto é pauta de formações profissionais, não só enquanto vivência, mas enquanto assunto a ser discutido com o grupo em encontros de formação e aprimorado em âmbito institucional.
Neste artigo, trataremos de alguns aspectos do feedback que costumam ser ofuscados pela ansiedade que sentimos quando estamos diante de uma conversa desconfortável, tanto para quem fala quanto para quem ouve.
O que é feedback?
Embora o termo feedback seja bastante popular e sua prática cada vez mais habitual, sobretudo em ambientes de trabalho, ainda é comum haver certa inquietação ou incômodo quando o momento chega.
Isso acontece porque, em nossa comunicação diária, estamos acostumados a analisar situações utilizando padrões binários: certo ou errado, bom ou ruim, vítima ou culpado, etc. A maioria de nós cresceu em ambientes que utilizavam essa lógica — em casa, na escola, no ambiente de trabalho, nos relacionamentos. Mas será que é isso o feedback?
Segundo Stone (2016, p. 14), feedback é “qualquer informação que você recebe sobre si mesmo”. Aquele momento específico em que recebemos orientações ou avaliações diretas de nossos amigos, chefes, companheiros é, na verdade, “a maneira como passamos a nos conhecer através de nossas próprias experiências e as de outras pessoas. Ou seja, a maneira como aprendemos com a vida” (STONE, 2016, p. 14).
Traz um certo alívio, não? Feedback não é a fiscalização ou a opinião de alguém. Feedback não é a validação ou a aprovação de outra pessoa. Feedback é a informação.
Feedback e comunicação
Sabendo que feedback acontece a todo momento, de modo direto, implícito, formal ou informal, e que pode vir quando menos esperamos, é preciso pensar na comunicação. Como a comunicação impacta o feedback?
Ao emiti-lo, a escolha de palavras, o momento, a condução da conversa e o tom da fala podem impactar como outro recebe e interpreta o que é dito.
Ao recebê-lo, é preciso fazer escolhas sobre o que está sendo ouvido: o que considerar e como utilizar o que pode ser aprendido.
Nós, professores, ofertamos e recebemos feedback o tempo todo. Isso faz com que o impacto do feedback na nossa formação tenha dupla finalidade: além de oferecer uma nova forma de pensar nosso desempenho profissional, ele também possibilita um novo modo de enxergar, dar e receber devolutivas aos nossos alunos em sala de aula.
Emissor e receptor de feedback
Na intensa e rica troca na sala de aula, professores e alunos são emissores e receptores de feedback ao longo do dia.
Somos emissores quando damos feedback e receptores quando o recebemos. A distinção é relevante porque, em geral, quando emitimos feedback achamos que estamos certos, que somos justos. Quando o recebemos, o cenário pode ser bem diferente. Por quê?
O motivo é que o recebimento do feedback se situa na intersecção de duas necessidades: o nosso impulso de aprender e o nosso desejo de aceitação (STONE, 2016, p. 19). E isso é altamente desestabilizador, mesmo que as informações que recebamos sejam valiosas oportunidades de nos percebermos e analisarmos.
Será que eu sou tudo isso que estão dizendo? Eu tenho uma boa explicação para essa atitude! Diante dos comentários sobre o que podemos reavaliar ou modificar, facilmente adotamos um comportamento defensivo, levando uma parte relevante do que é dito a perder força. Focamos somente os aspectos de que discordamos ou só absorvemos o que achamos que faz sentido.
Esse comportamento faz com que a melhor parte do feedback fique esquecida: o autoquestionamento. Será que o que está sendo dito faz sentido? Isso pode me ajudar? De que forma? Já ouvi isso antes?
Isso significa que se sairmos do modo automático concordo-discordo e entrarmos na conversa cientes de que enquanto receptores temos participação ativa sobre o que está sendo posto, a atitude defensiva desaparece.
Podemos passar a participar da conversa cientes de que o outro trará um ponto de vista que dificilmente alcançaremos sozinhos, já que ele nos observa de um ângulo completamente diferente do nosso, o que possibilita que ele veja padrões e atitudes que ignoramos e que, quando conscientes, até gostaríamos de mudar.
Entender isso é o ponto crucial para uma análise mais apurada do que acontece nessas situações. Conscientes do que acontece conosco, administramos melhor a tensão entre aprender/sermos aceitos e as estratégias que podemos utilizar para navegar esses sentimentos. E somente assim, por vivência e experiência, é que teremos condições de mostrar aos nossos alunos como eles também podem aprender a receber feedback.
Sobre isso, vale destacar:
- a capacidade de aceitar bem o feedback é uma competência que pode ser aprendida, praticada e desenvolvida;
- receber bem e refletir sobre o feedback não significa aceitá-lo. Se feedback é a informação dada pelo outro, o tratamento, a avaliação e o aceite (ou não) dessa informação é de quem o recebe e é por isso que textos sobre feedback costumam focar no receptor. É ele quem controla o que será absorvido da informação, o que será aceito e se isso resultará em mudanças de atitude e crescimento.
Dificultadores de feedback
Outro componente dificultador da comunicação é que tratamos muitas vezes de assuntos diferentes acreditando que estamos falando do mesmo assunto. Imagine, por exemplo, a seguinte situação:
Feedback do emissor: Às vezes, você reage com impaciência. (Em seguida, o emissor explica a situação.)
Reação do receptor: Você já trabalhou com uma turma numerosa como a minha? Viu quantas coisas eu tenho que administrar ao mesmo tempo? Qualquer um reagiria da mesma forma.
Embora os dois assuntos estejam de alguma forma conectados, eles são diferentes. A questão que se levanta é que existem momentos de impaciência e é preciso tomar consciência dessa questão e trabalhá-la. O outro ponto é: não estou conseguindo administrar a quantidade de afazeres.
Ao analisarmos os fatos, talvez seja possível observar que em alguns momentos a paciência falta e não está relacionada ao número de alunos. E aqui também cabe a pergunta: o fato de estarmos cansados ou sobrecarregados e precisando pensar em outra forma de estruturar o trabalho nos autoriza a agirmos sem paciência?
Quando assuntos diferentes surgirem, ambos devem ser tratados, mas separadamente. Deve-se esclarecer que há mais de um assunto e, para que eles sejam devidamente explorados, deve-se discutir um e depois o outro.
Feedback e formação continuada
Todos precisamos de feedback. Ele provê ajustes necessários para a nossa convivência do dia a dia, a execução de trabalho, o entrosamento da equipe e a sintonia no relacionamento. Sem a troca de informações, estaríamos isolados em nós mesmos.
Isso vale para todos, mas, no âmbito do trabalho, algumas profissões são mais dependentes de feedback. A docência é uma delas, tanto no aspecto institucional (alinhamento de valores, missão, prazos, combinados) quanto no das práticas pedagógicas (no dia a dia junto aos alunos). Ambos caminham juntos e têm maior possibilidade de serem bem tratados quando há formação continuada de professores.
Isso porque nela há maior oportunidade para a troca de feedback e esclarecimentos, que são construídos aos poucos. O trabalho coordenação-equipe se torna um meio de obter e ofertar apoio, o que faz com que as observações de aula e as devolutivas do trabalho deixem de ser sentidas como uma forma de inspecionar e fiscalizar e passem a ser, efetivamente, um meio de impulsionar percepções que seriam difíceis de ter sozinho. A autoanálise é uma ferramenta poderosa, mas precisa periodicamente de um fator externo que potencialize os achados e direcione o olhar para pontos que ficariam intocados.
Ainda assim, alguns assuntos são complexos por natureza e despertam sentimentos com os quais precisamos lidar para crescer pessoal e profissionalmente.
No livro “Obrigado pelo feedback”, Douglas Stone e Sheila Heen denominam “gatilhos” os mecanismos que geram reações negativas e defensivas ao feedback e os classificam em três grupos. Falemos um pouco sobre eles.
Gatilhos de feedback
São três os mecanismos que o feedback pode acionar: gatilho de verdade, gatilho de relacionamento e gatilho de identidade.
Gatilhos de verdade aparecem por causa do conteúdo da informação, quando discordamos do que é dito porque consideramos ser falso, equivocado, inútil ou descabido.
Gatilhos de relacionamento são acionados por quem nos apresenta a devolutiva. Como dizem os autores, “todo feedback é temperado pela relação que existe entre quem dá e quem recebe e nossas reações podem se basear naquilo em que acreditamos sobre quem o dá ou sobre como nos sentimos tratados por quem o dá”. (STONE, 2016, p. 29)
Já os gatilhos de identidade estão relacionados a nós, como nos sentimos quando alguma coisa no feedback faz com que fiquemos vulneráveis (e nos sintamos ameaçados, envergonhados ou mesmo desequilibrados).
E por que saber isso é importante?
Primeiro, porque os gatilhos são obstáculos à comunicação (e, consequentemente, ao entendimento do que é dito/recebido) e podem ser um meio de identificar onde está o problema. Uma parte importante para conseguir utilizar o feedback como meio de aprimoramento é entender onde é possível haver ruídos. Além disso, conhecer as possíveis reações de quem receberá o feedback permite pensar em soluções, tanto enquanto emissor, mas, principalmente, enquanto receptor.
Outro ponto é evitar fingir não haver decepção ou nervosismo com o feedback. Isso não resolve o problema de comunicação estabelecido. Quando ficamos nervosos ou agitados com uma mensagem, paramos de ouvi-la corretamente, prestamos atenção apenas a uma parte dela e, com isso, a comunicação é interrompida. Aumentam as chances de erros de entendimento, acionam-se os gatilhos, entram em ação os comportamentos defensivos, e o feedback e a objetividade necessários para compreender e analisar a mensagem são perdidos. Não é preciso tentar esconder o desapontamento, mas é preciso dar-se tempo para refletir antes de reagir.
Vivenciar esse ciclo no trabalho (durante a formação continuada/observações de aula/trabalhos com colegas), auxilia o professor a entender esse sistema quando observá-lo em sala de aula com os alunos: Puxa, quando eu recebo um feedback difícil, sinto tais sentimentos e ajo de tal forma… Quando observo a reação deste aluno ao feedback do colega, noto que ele também tem dificuldades para lidar com a informação recebida. Essa vivência torna o professor mais consciente de seus processos e também dos processos de seus alunos.
Uma competência a ser trabalhada
Trilhamos este caminho para entender o que é feedback, como as informações impactam nosso entendimento dele, quais são os principais empecilhos a uma comunicação mais clara entre o emissor e o receptor, e a importância de falarmos sobre isso.
Receber bem o feedback, como mencionado anteriormente, é uma competência que podemos desenvolver. Como?
- Um dos caminhos para desenvolver uma competência é saber mais sobre ela. Estude e aprenda mais sobre feedback.
- Outro meio de exercitar é praticando. Quando for dar feedback, considere tudo o que já sabe sobre o assunto, como o cuidado na exposição das informações ou as dificuldades que o receptor pode apresentar. Prepare-se. Quando for receber, lembre-se de levar as questões apontadas em consideração (autoquestionamento). É recomendável anotar os pontos colocados para refletir com calma, por exemplo.
- É importante considerar o momento de dar o feedback. Algumas devolutivas ganham força quando são feitas assim que possível. Quanto antes, melhor, porque as situações estarão mais frescas na memória.
- Exemplifique. Quando disser algo sobre o comportamento do outro, traga exemplos concretos de ações observadas. E sempre que possível, dê sugestões de como desenvolver / trabalhar a questão apontada.
- Faça perguntas. Se algo não ficou claro para você, pergunte. Se uma parte da informação parece pouco elaborada, peça exemplos.
O exercício do feedback é de interação com o outro, de consideração pelo que o outro traz, e de busca pela reflexão sobre nosso comportamento utilizando a perspectiva do outro. Pode ser cansativo, mas a recompensa é enorme. Vivenciando o exercício, aprendemos mais sobre nós e o outro, sobre essa troca que permeia a vida e nos constitui. Através do exemplo, ensinamos mais significativamente, pois o que se tem na teoria é o que se deve buscar viver na prática.
Referência:
BROWN, B. Dare to lead: brave work, tough conversations, whole hearts. New York : Random House, 2018.
STONE, D.; HEEN, S. Obrigado pelo feedback: a ciência e a arte de receber bem o retorno de chefes, colegas, familiares e amigos. 1ª edição. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.
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