Usamos os termos competência, fluência e proficiência como se fossem a mesma coisa, mas será que são? Não, não são!
E você deve estar se perguntando: por que é importante falarmos sobre isso? Primeiro, porque diz respeito à área com a qual trabalhamos, não é mesmo? Segundo, porque precisamos nos apropriar deles para entender melhor como atuar em sala de aula e como avaliar. E por fim, temos que nos preparar para as conversas e reuniões pedagógicas com as famílias, que, muitas vezes, têm expectativas precipitadas e impressões equivocadas sobre a aprendizagem de seus filhos e filhas. Então, vamos conhecer um pouco mais sobre esses termos?
A Competência Comunicativa
Para refletirmos sobre isso, precisamos voltar um pouco no tempo e entender como esses estudos surgiram e como seus autores desenvolveram os trabalhos.
Quando o linguista americano Noam Chomsky falou sobre competência linguística em 1965, ele utilizou principalmente as noções gramaticais e sistemáticas de um indivíduo sobre a língua para se referir à competência. Ou seja, para ele, a definição de desempenho era mais restrita e, com isso, ficaram de fora os aspectos sociais e culturais. Contudo, hoje sabemos que eles são tão importantes para a aquisição e desenvolvimento da linguagem quanto os outros aspectos.
Foi a partir daí, então, que Dell Hymes apresentou o termo competência comunicativa e a definiu como “a capacidade de o sujeito circular na língua-alvo, de modo adequado/apropriado, de acordo com os diversos contextos de comunicação humana.” (HYMES, 1995 apud PADILHA, 2016, p.2.). Esta nova concepção ampliou o olhar sobre o que é necessário para a aquisição de línguas e trouxe uma grande mudança, que permitiu que outros estudiosos da área de Linguística desenvolvessem de forma mais profunda e estruturada a sua definição de competência.
Para Canale e Swain (1980), por exemplo, a competência comunicativa aparece como algo que permite que indivíduos utilizem a língua para se comunicar e encontrar sentido. Eles também afirmam que é por meio da competência gramatical que se desenvolvem as competências sociolinguística e estratégica.
Como já vimos, fatores sociais têm muita importância para a aprendizagem de línguas: devemos considerar onde ela é falada, em que situação e para quê. Essa “competência sociolinguística” desenvolve-se com as regras sociais e culturais para o uso e discurso do sujeito, e a competência estratégica que envolve as estratégias de comunicação verbais e não verbais. (RODRIGUES; SOUZA; SILVA, apud ROCHA; BASSO, 2021, p.188).
Para entender um pouco mais sobre tudo isso e por que essas contribuições foram importantes, vamos imaginar uma conversa em que as pessoas queiram mostrar seu ponto de vista sobre um assunto. Conhecer estruturas gramaticais dá conta desse objetivo? Que competências elas precisam para conseguir conversar? É necessário que saibam argumentar e conheçam os gestos e padrões de conversa da comunidade em que ela acontecerá, por exemplo?
Este é um bom exercício de análise da língua: refletir sobre as situações reais em que a língua-alvo será usada, os tipos de interação que ela proporciona e o que as pessoas podem criar com ela.
A Fluência e o Fluxo da Fala
Um dos elementos mais significativos na mudança na forma de pensarmos na língua apenas como estruturas e regras gramaticais se dá quando o termo “competência comunicativa” tem sua definição ampliada para considerar outros elementos importantes da língua, como o seu uso social e estratégias, o que nos faz pensar em fluência.
Essa é uma das palavras mais utilizadas quando se fala em aprendizagem de línguas: “Eu quero ser fluente! A fluência na língua é essencial”. Mas, o que é, de fato, ser fluente?
Fluência em seu sentido figurativo é a “característica daquilo que é espontâneo, natural; espontaneidade, fluidez: Ela fala inglês com muita fluência.” (HOUAISS, 2009). Ela também diz respeito a um discurso com um fluxo natural, com mínima interferência: “(…) o fluir de sons, sílabas, palavras e frases ditas sem interrupções que o ouvinte leigo classifica como normal.” (JAKUBOVICZ, 1997, p. 130).
Ao contrário do que algumas pessoas acreditam, equívocos durante a fala podem acontecer e não prejudicam a comunicação. Eles não significam que a pessoa não tem fluência. Pense em nós, que temos a língua portuguesa como primeira língua. Se cometemos um erro em português, isso quer dizer que não somos fluentes? Erros acontecem em todas as línguas; às vezes, por falta de repertório específico, por conta de algo que não ficou claro enquanto se estudava na escola ou pelo convívio social e, dessa forma, se solidificou na fala ou na escrita. Isso pode acontecer em todos os níveis de proficiência da língua.
Proficiência e Desempenho
É bom lembrarmos que há várias definições disponíveis sobre o que é proficiência em línguas. Na verdade, sobre competência e fluência também. Toda definição é um recorte teórico, e elas mudam conforme os estudos avançam e de acordo com o prisma sob o qual são olhadas.
Um exemplo disso é que, nas últimas décadas, estudiosos como Celse-Murcia trouxeram novas contribuições sobre competência linguística pensando na competência comunicativa de Hymes, principalmente no que se refere ao desempenho e à habilidade de uso do aprendente. Com as contribuições de vários estudiosos, a definição de proficiência linguística também foi influenciada, já que essas noções de língua não apenas “conversam” entre si, mas também se intercalam.
David S. Taylor (1988) denominou a proficiência como a prática da competência comunicativa, e o desempenho do indivíduo como a própria proficiência colocada em uso. A partir disso, podemos estabelecer uma relação com os testes de proficiência, comumente usados para determinar o desempenho de uma pessoa nas habilidades em uma língua. O Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas, por exemplo, define esses níveis numa escala que vai de A1 a C2:
Esses níveis são norteadores, mas também é importante considerarmos as contribuições de Scaramucci sobre o assunto. Ela menciona a necessidade de incluir a situação de uso:
“Em vez de dizer “Ele é proficiente em Inglês”, seria mais apropriado dizer: “Ele é proficiente em Inglês para viver e estudar na Inglaterra (uso mais geral)” ou “Ele é proficiente em Inglês para trabalhar no Brasil como guia turístico”; ou “Ele é proficiente em leitura em Inglês (uso mais específico)” ou “Ele é proficiente em leitura de manuais técnicos em Inglês (uso ainda mais específico)”, e assim por diante.” (SCARAMUCCI, 2000, p.4)
Ao pensarmos no termo no plural, proficiências, podemos perceber como as áreas de conhecimento e as situações de uso têm relação com o desempenho linguístico de uma pessoa.
A situação social do uso da língua
Dúvidas e contradições podem aparecer em relação aos termos usados, pois a área da Linguagem é extremamente complexa. Por isso, é preciso sempre nos atualizarmos e estudarmos continuamente para termos um repertório mais amplo que nos ajude nas práticas pedagógicas e na experiência pessoal e profissional dos aprendentes de línguas adicionais.
Saber diferenciar esses termos, nos auxilia, por exemplo, a explicar para as famílias por que é que uma criança na educação infantil consegue ser competente em algumas situações comunicativas, mas não fluente. Conseguimos também explicar por que é que um aluno vai muito bem em determinada parte de uma prova de proficiência, mas tem dificuldade em outra.
Sabemos que os termos mencionados podem ser confundidos, pois eles se intercalam e às vezes fazem parte uns dos outros, não é mesmo? Então, vamos recapitular:
Competência: podemos dizer que uma pessoa competente em uma língua utiliza a língua-alvo apropriadamente em uma situação (HYMES, 1995 apud PADILHA, 2016, p.2);
Fluência: uma pessoa fluente se comunica de forma fluída sem interrupções, a não ser pausas aceitáveis e variações de velocidade (MILLOY,1997, p. 75);
Proficiente: uma pessoa proficiente demonstra seu desempenho global colocando sua competência comunicativa e sua fluência em uma situação de uso (TAYLOR, 1988; SCARAMUCCI, 2000).
Ao refletir sobre esses conceitos e conhecer mais o trabalho dos estudiosos, podemos ter noções mais claras para sanar algumas dúvidas e orientar nosso trabalho profissional e pessoal com as línguas.
Se quiser ler mais sobre a comunicação com as famílias, sugerimos os artigos “A importância de uma boa comunicação entre a equipe escolar e a família na implementação de programas bilíngues” e “O poder da confiança entre família e escola”.
Quer orientar as famílias que desejam ajudar seus filhos e filhas a falar inglês? Então o artigo “Como ajudar meu filho a aprender inglês em casa” é ideal para você.
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