“É preciso uma aldeia para se educar uma criança.”
(Ditado africano)
O ditado acima se popularizou e é comumente usado para falar sobre a necessidade da rede de apoio que todo cuidador de criança precisa. Outra reflexão que pode advir dele é que crianças fazem parte da comunidade e, sendo assim, todos que fazem parte dela deveriam também lutar pelos seus direitos, bem como se responsabilizar pelo seu bem-estar, dando acessibilidade e prioridade a adultos com crianças pequenas, por exemplo.
Se trouxermos a reflexão para o âmbito escolar, o ditado também se encaixa bem. Afinal, mesmo que um único professor faça a diferença com os seus alunos em sua sala de aula, uma escola que se entende como comunidade e que integra todas as suas partes (gestão, corpo docente, alunos, crianças e famílias), funciona melhor e, com certeza, proporciona experiências mais ricas e significativas a todos. Podemos então dizer que é preciso que a escola seja uma aldeia. Mas o que isso significa na prática?
Quantas vezes, nós, professores, nos sentimos solitários perante situações difíceis, em que não vemos saída e não sabemos para quem pedir ajuda? Até mesmo compartilhar bons resultados e experiências de sucesso pode ser um desafio em um ambiente que não promove a interação e união entre os colegas de trabalho. Para além do sentimento de solidão, este cenário favorece o estresse e o esgotamento (burnout), que, infelizmente, vem se tornando cada vez mais comum.
“Uma revisão sistemática da literatura internacional, envolvendo estudos qualitativos sobre o estresse ocupacional, constatou que a categoria docente considera a sobrecarga de trabalho, a falta de controle sobre o tempo, os problemas comportamentais dos estudantes, a burocracia excessiva, a implementação de novas iniciativas educacionais e a dificuldade de relacionamento com os supervisores como os principais fatores de desgaste no trabalho (Mazzola, Schonfeld, & Spector, 2011). Outra revisão de estudos publicados entre os anos de 1985 e 2007 sobre o trabalho docente indicou a incidência de transtornos mentais, estresse, síndrome de burnout, problemas vocais, doenças osteomusculares, entre outros, sugerindo o aumento do adoecimento dessa categoria ou o rápido crescimento na observação desse fenômeno a partir do ano 2000 (Freitas & Cruz, 2008). Mais recentemente, do Vale e Aguillera (2016) identificaram, em uma revisão narrativa de literatura, que o estresse e a síndrome de burnout são os principais motivos de afastamento do trabalho da categoria docente. A síndrome de burnout pode ser entendida como um tipo de estresse de caráter persistente vinculado a situações de trabalho, resultante da constante e repetitiva pressão emocional associada com intenso envolvimento com pessoas por longos períodos de tempo (Harrison, 1999).”
(DIEHL e MARIN, 2016)
Como podemos ver, muitos são os fatores que contribuem para uma sobrecarga dos professores. Neste artigo, traremos algumas sugestões de ações que promovem a interação e a integração da equipe de modo a criar relações de confiança entre colegas de trabalho e gestores, e uma rede de suporte dentro das escolas para diminuir parte dessa sobrecarga.
Como é possível promover a interação entre a equipe?
Algumas ações consideravelmente simples podem oferecer a criação de vínculo entre pares na escola. Isto não significa, necessariamente, que todos serão amigos fora do ambiente de trabalho, mas que verão um no outro e espaço para parceria.
• Recebendo um novo membro no time
Quando um novo educador chega à escola, são muitas as informações com que tem que lidar: rotina, horários, processos burocráticos, filosofia da escola, didática, etc. Delegar parte desta orientação para a equipe que já está na escola há mais tempo possibilita duas experiências muito ricas: (1) que o novo profissional se integre à instituição e à equipe; (2) que o professor mais experiente se torne consciente de tudo o que já sabe e conhece. Muitas vezes, ao explicar para alguém algo que já fazemos automaticamente é que nos damos conta do quanto sabemos, e isso gera bem-estar e aumento da autoestima.
• Trabalhos em duplas ou pequenos grupos
Não é só em sala de aula que essa estratégia pode ser eficiente. Organizar tarefas (como planejamentos de aula ou eventos, leituras, confecção de material, etc.) para serem feitas por duas ou mais turmas (ou professores) é uma excelente maneira da equipe compartilhar conhecimentos, conhecer estratégias e ampliar repertório e referências. Além disso, o trabalho em duplas/grupos exige um comprometimento com o resultado, que afetará não só o professor, mas também a pessoa com quem ele está trabalhando, o que pode vir a ser mais um fator motivacional.
• Canais de comunicação e momentos de interação
É importante haver um canal que a equipe possa usar para se comunicar, como um quadro de avisos ou uma plataforma digital. Formações e encontros com diferentes propósitos (organização, alinhamento de expectativas ou até mesmo uma confraternização) também oportunizam a troca e a criação de vínculo entre a equipe. É comum principalmente entre professores especialistas que eles não se conheçam por frequentarem a escola em horários diferentes e trabalharem também em outras instituições. Como trabalham no mesmo espaço, com os mesmos aprendentes e materiais, imagine quanta troca podem fazer, se tiverem oportunidades para isso. Com certeza, serão momentos bem aproveitados!
• Autoavaliação, feedback e observação de aula
Dentre as “competências de um bom professor” listadas por António Nóvoa em “Professores: imagens do futuro presente” (2016, p. 30-31) ele menciona:
“A cultura profissional. Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão. O registro das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar a profissão.”
Reuniões periódicas para feedback individual e em equipe permitem acompanhar o ponto em que todos estão e identificar com o quê precisam de ajuda a tempo de serem auxiliados. Também deixam aberto um canal de escuta onde o que o professor percebe e sente é valorizado. Nos artigos Como acontece a adaptação na Educação Infantil e O poder da confiança entre família e escola falamos um pouco sobre o acolhimento das crianças e o relacionamento com as famílias. Ser acolhido é importante também para os professores.
Já a autoavaliação, oportuniza ao professor olhar para si e identificar características para conseguir tanto buscar mudanças e se sentir necessário quanto ser mais receptivo em relação a devolutivas recebidas. Se o único momento de feedback acontece através de um olhar externo, podemos nos tornar reativos e nos sentir atacados. Ao nos autoavaliarmos, notamos pontos positivos e a serem melhorados e também fica mais fácil pedir ajuda.
Observar a própria aula é outra maneira de se autoavaliar. É possível gravar trechos e assisti-los com um olhar crítico. Observar aulas de outros professores também pode ser um exercício de autoavaliação, pois, ao observar o outro agindo, naturalmente refletimos sobre como agimos ou agiríamos. Desta forma, ampliamos nosso repertório de estratégias e também nos tornamos mais conscientes das nossas escolhas. Ao dar um passo para trás e observar de fora, às vezes notamos motivos para certas dificuldades que não vemos de dentro da situação.
• Diálogo e objetivos alinhados
Para haver diálogo deve haver escuta. Uma gestão que dialoga promove autonomia e dá segurança à sua equipe. Um profissional que não entende o porquê do seu trabalho e a sua importância dentro da equipe não consegue, de fato, tornar-se parte dela. É essencial anunciar a todos os membros da equipe a sua importância e a sua função, do mesmo modo como fazemos em sala de aula com nossos alunos.
• Todo mundo ganha!
Ter uma equipe que se vê como parceira é benéfico para todos: gestão, professores e crianças.
Quando confiamos em nossos pares e temos espaço para desabafar e pedir conselhos, também nos sentimos mais à vontade para admitir erros e dificuldades. Saber que outras pessoas se sentem da mesma forma e compartilham das mesmas angústias traz conforto e nos motiva a melhorar e pensar em possíveis soluções.
Quando buscamos ajuda e a opinião de pares, normalmente nos tornamos mais abertos a ouvir críticas. É sempre mais tranquilo se abrir para alguém que não é responsável pela sua contratação ou demissão.
Como comentado anteriormente, a rotina do professor pode ser bem pesada e, em momentos de sobrecarga, ter alguém com quem desabafar pode trazer leveza e mais clareza de ideias. Além disso, a troca de experiências pode trazer o sentimento de alívio ao saber que não é o único com dificuldades.
Para a gestão, também há muitas vantagens. Uma equipe mais confiante e autônoma, exige menos tempo de seu líder, que pode se dedicar a responsabilidades exclusivas dos gestores. Uma equipe mais entrosada tende a ter menos dificuldades e consegue aproveitar melhor seu tempo, pois tem mais fontes de apoio e ajuda em momentos de dificuldade.
Alguns problemas se tornam mais longos e complicados quando a equipe se sente intimidada para pedir ajuda, por vergonha ou medo. Como acontece em sala de aula, ao conversar com seus pares, que também passam por vivências similares, o professor pode ouvir e dar explicações mais acessíveis e com exemplos práticos do que alguém que esteja fora de sala de aula.
Por fim, uma equipe que conversa e compartilha, cria confiança para expor suas ideias. Logo, o gestor terá devolutivas mais sinceras e poderá fazer alterações, se necessário, de acordo com elas. Muitos funcionários, por acharem que só eles se sentem de determinada maneira ou têm tal incômodo, deixam de relatá-los, com receio de não serem ouvidos ou valorizados. Ao saberem que mais pessoas se sentem da mesma forma, percebem a maior chance de mudança a partir do feedback que darão.
É importante frisar que essas medidas, se isoladas, não garantem o bem-estar do professor nem resolvem sua exaustiva rotina de trabalho. Muitos são os fatores que influenciam isso e é preciso cuidar e lutar por horários respeitosos, remuneração adequada, estrutura e recursos adequados, etc. No entanto, lutar em grupo, como parte de uma aldeia, com certeza é mais fácil e eficiente.
- Diversidade cultural na escola - 20 de abril de 2022
- A importância de parcerias no ambiente de trabalho escolar - 23 de fevereiro de 2022
- Como acontece a adaptação na Educação Infantil - 28 de julho de 2021
Adorei o post!!
Olá, Jade!
Que bom que gostou do artigo! 🙂
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