A parte da Base Nacional Curricular que diz respeito à língua inglesa começa com uma indagação bem importante: que inglês é esse que ensinamos na escola? Ao longo do documento, fala-se sobre a função social e política do inglês, nos obrigando a rever as relações entre língua, território e cultura. Há também uma reflexão relacionada ao uso do termo “língua estrangeira”, que vem sendo discutido no mundo acadêmico por nos remeter ao estrangeiro, estranho a nós.
Pensando em questões mais próximas aos educadores, esse discurso sobre a BNCC na prática nos faz questionar o ensino de língua tal qual aconteceu (e infelizmente ainda acontece) dentro das escolas brasileiras: um ensino voltado para a aprendizagem de regras gramaticais, aquisição de vocabulário descontextualizado do uso, contato com textos orais e escritos que são adaptados e dizem respeito a um recorte bem específico e irreal da língua.
Mas se não é assim, como funciona a BNCC na prática para o ensino da língua inglesa? Como evitar praticá-la como algo distante e estranho a nós?
Calma, já vamos falar sobre isso! É importante começar por esta questão porque esse é um discurso que legitima o uso da língua desvinculando-o de um determinado território, de um pertencimento específico a certas comunidades. Quando reconhecemos que a língua pertence aos falantes e que eles migram, mudam e ressignificam a língua, passamos a pensar no seu ensino como uma educação linguística. E a interculturalidade ganha espaço e visibilidade. Há o reconhecimento e o respeito às diferenças.
Eu sei que você está se perguntando onde é que entra a BNCC na prática, porque foi para isso que começou a ler este texto, não é mesmo? Mas já vamos chegar lá! Precisamos também falar de multiletramentos para entender a BNCC na prática.
O termo multiletramentos não é novo. Um grupo de pesquisadores e professores sobre letramentos denominado New London Group trouxe a discussão sobre o assunto em meados dos anos 90. A BNCC entende a importância de se trabalhar com multiletramentos porque, por meio dele, considera-se importante as diferentes linguagens e seus entrelaçamentos (verbal, visual, corporal, audiovisual) e valoriza-se o contínuo processo de significação contextualizado, dialógico e ideológico em que ele está inserido.
A BNCC entra para orientar o professor, a fim de que ele utilize em sala de aula conteúdos inseridos em diferentes contextos culturais, considerando as suas diferenças e as variações linguísticas, que resultam dos variados usos da língua inglesa por diversas comunidades de fala, que usam diferentes linguagens para se comunicar. Parece complexo? Não é tanto.
Isso faz com que a língua inglesa seja encarada de outra forma, indo ao encontro das demandas da contemporaneidade, uma vez que esse contexto dialoga com as questões do multiculturalismo, enaltecendo a existência de povos distintos, com identidades diversas, que se constituem por meio da língua inglesa e se comunicam em inglês por meio de diferentes mídias.
Pronto! Agora podemos falar sobre como tudo isso aparece na BNCC na prática. Vai fazer mais sentido como o documento foi pensado e porque não há mais um ensino voltado para o enfoque em quatro habilidades (falar, escrever, ouvir e ler), por exemplo.
Afinal, o que é a BNCC na prática?
É importante saber que a Base Nacional Comum Curricular não consiste em um currículo. Como diz o próprio nome, ela se trata de uma base para a construção de currículos. O documento traz uma concepção teórica que engloba uma série de competências e habilidades a serem trabalhadas em sala de aula. E, a partir dessas orientações, todas as instituições de ensino, sejam elas da esfera pública ou privada, devem construir os seus currículos.
No âmbito da língua inglesa, a BNCC foi organizada em cinco eixos, sendo três deles majoritários, que são permeados pelos outros dois. E você sabe por quê? Lembra que falamos aqui um pouquinho que o documento trouxe uma perspectiva de visão voltada ao falante e como ele usa essa língua? Os eixos dizem respeito a uma forma de ensino voltado para o uso do idioma, ou seja, como ele de fato lê, escreve e se comunica em outra língua em situações reais. E isso é um avanço. Vamos conhecer os eixos:
- Escrita
Algo que já é bastante trabalhado nas aulas de inglês, este eixo se refere às noções sobre a produção de conteúdo escrito, ao seu contexto, à adequação da linguagem, a quem ele está sendo escrito, ao significado da correção, etc.
- Leitura
Também é uma prática comum em sala de aula, então, o professor continua desenvolvendo um trabalho de leitura e interpretação de textos, intencionalidade, assim como acionando conhecimentos prévios dos alunos, noções de mundo, gêneros textuais, etc. A grande diferença aqui é a defesa de que sejam lidos textos que estejam de fato em circulação na sociedade. Valorizam-se práticas de linguagem reais em detrimento de textos adaptados para o ensino de língua.
- Oralidade
Esse eixo compreende a oralidade de maneira mais ampla. Em vez de dividir os momentos de compreensão auditiva e fala durante as aulas, por exemplo, a proposta é atuar de modo mais articulado, com um trabalho em conjunto entre o que se segmentava como speaking e listeningexercises. Isso porque, se práticas de linguagem orais entram na escola, não recortes linguísticos e tarefas sem sentido, o aluno passa a se comunicar com propósito. Há um interlocutor real que vai responder-lhe e interagir com ele.
Aproveite e confira o nosso e-book gratuito sobre a oralidade nos ambientes digitais, especialmente criado para os educadores da Educação Infantil, que orienta sobre práticas de linguagem com o uso das ferramentas digitais tanto em sala de aula quanto em casa.
Os outros dois eixos consistem nos conhecimentos linguísticos, que têm como base a gramática, promovendo a reflexão e a análise sobre as estruturas do idioma, e na dimensão intercultural da língua, que aborda a proposta principal da BNCC em relação ao multiculturalismo, evidenciando que a linguagem faz parte da cultura dos povos e que se encontra num processo contínuo de interação, construção e reconstrução.
É importante lembrar que os conhecimentos linguísticos estão a favor de todos os outros. Isso significa pensar na gramática a favor da leitura, escrita e oralidade. Jamais descontextualizá-la de usos sociais da língua.
E os multiletramentos? Onde entram? Na prática, isso quer dizer que o ensino de inglês precisa desenvolver nos alunos habilidades e competências que vão além de apenas ler, interpretar e resolver problemas. As diretrizes da BNCC reforçam a importância do desenvolvimento de todas as habilidades comunicacionais, a partir de uma formação integral do aluno, envolvendo diferentes linguagens, como a verbal, a visual, a corporal e a audiovisual, que atualmente se misturam a todo o momento. Então é preciso considerar e-zines, e-books, mídias digitais, podcasts e outras práticas de linguagem digitais no ensino da língua.
Ademais, a BNCC na prática propõe abandonar as aulas meramente expositivas e teóricas, baseadas numa visão mais tecnicista que privilegia somente o ensino de estruturas e de vocabulário do idioma, e dar lugar ao ensino de inglês por meio da prática, do contato com o idioma. Esse estudo do léxico e da gramática deve fazer com que os alunos entendam de modo indutivo o funcionamento da língua, trabalhando o seu uso de forma discursiva com materiais diversos e meios digitais que, de certa forma, condiz com o contexto social em que a escola está inserida.
Aprendendo a entender os objetivos e eixos da BNCC na prática
Vamos ver como os objetivos e os eixos estão a favor do uso social da língua em situações comunicativas que façam sentido para os alunos.
Se pegarmos um dos objetivos descritos para o 6º ano, por exemplo:
(EF06LI02) Coletar informações do grupo, perguntando e respondendo sobre a família, os amigos, a escola e a comunidade.
A prática de linguagem que pode atender a esse objetivo é a entrevista. Os alunos aprendem para que serve, em que contextos a usamos, como funciona, como elaborar e realizar entrevistas para coletar dados sobre a comunidade escolar, por exemplo.
Aprender como elaborar entrevistas mobiliza os conhecimentos linguísticos. Nesse caso, usar pronomes interrogativos em língua inglesa. E é aí que a gramática entra a favor do uso social e real da língua.
Depois desse processo inicial de para quê, como, com quem, etc., os alunos de fato executam, coletam informações e depois aprendem a ler os dados coletados. Veja quanta riqueza de detalhes, trocas, interações há em uma proposta como essa!
E, por fim, chega o momento de pensar em como compartilhar esses dados com a comunidade escolar. Pode-se usar um infográfico, vídeo minuto, pôster, podcast. O multiletramento possibilita que ele escolha como fará isso.
Atuação do professor de inglês conforme a BNCC na prática
Além das responsabilidades da escola, de se organizar de acordo com a BNCC, é fundamental que os educadores também conheçam o texto da Base e se atualizem constantemente. É possível encontrar materiais na internet que auxiliam os professores a entenderem o documento, como artigos e webinars, mas também é válido trocar informações com os colegas, outros professores, a coordenação e, assim, conseguir fazer um planejamento mais adequado à BNCC na prática.
Vale citar que o componente curricular de língua inglesa é obrigatório em todas as instituições de ensino a partir do Ensino Fundamental II (6º ano), o que não significa ser restrito a esses segmentos, podendo também ser adotado na Educação Infantil e Ensino Fundamental I.
A proposta da BNCC é justamente criar uma fundamentação que promova o diálogo com toda a escola, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, permeando todos os componentes curriculares. Isso propicia um trabalho coeso em todas as etapas do Ensino Básico, respeitando as particularidades de cada série e áreas de conhecimento e atendendo a um único projeto de formação.
Não é novidade que a BNCC também prevê a questão da interdisciplinaridade e, nesse quesito, o inglês é uma disciplina bastante privilegiada, uma vez que possibilita transitar por todas as áreas de conhecimento de modo natural, como em história, geografia, artes e português. E isso não significa que o professor precisa saber sobre tudo, mas, sim, lidar com esses conhecimentos abertamente, utilizando fontes de pesquisa e convidando o aluno a investigar. O importante é ter uma atitude interdisciplinar.
O mais importante para o professor é olhar para o material didático que ele usa e para as suas propostas e se perguntar:
- Essas propostas possibilitam que os alunos de fato se comuniquem com um propósito real?
- Que prática de linguagem meus alunos irão aprender?
- Como estou ensinando a gramática a favor do uso em situações comunicativas significativas e reais?
- Estou trazendo diferentes tipos de linguagem (verbal, visual, midiática, corporal, etc.) para aula?
- Como estou trabalhando questões culturais? Como estou indo além da menção às datas comemorativas?
- Como trago representatividade aos falantes de língua inglesa para minhas aulas?
- Como posso ampliar o acesso a produções culturais que não sejam apenas americanas e europeias?
Essas perguntas trazem reflexões fundamentais para as escolhas pedagógicas do professor. Não significa que sejam fáceis, especialmente para quem não teve esse tipo de experiência. Mas não podemos negar o quanto são necessárias.
O uso de recursos com a BNCC na prática
Uma das formas de se trabalhar com os recursos é engajar os alunos a usarem os seus próprios dispositivos móveis e o acesso que eles já possuem, particularmente à tecnologia.
Nem sempre será necessário fazer o seu uso em sala de aula para a aprendizagem do inglês, mas também é possível indicar alguns caminhos – jogos, aplicativos, plataformas, sites, vídeos, podcasts -, para que o aluno aproveite o tempo em casa, acessando a internet pessoal ou em espaços públicos, para uma posterior conversa ou debate em sala de aula com os colegas. Essa é uma excelente forma de trabalhar o letramento digital e atuar com a ideia da sala de aula invertida.
Do mesmo modo, vale começar a entrar em contato com as manifestações culturais juvenis, a fim de conhecer o que os jovens têm consumido na atualidade, desde produtos da cultura pop até o que estão lendo, assistindo ou acessando nas redes sociais, por exemplo. Isso pode fazer com que o professor tenha ideias para novas leituras, materiais, abordagens e formatos para a construção de narrativas.
Por fim, você sabe como a BNCC impacta a Educação Infantil e o Ensino Bilíngue? Assista ao nosso webinar com Maria Helena de Castro e Valderez Vasquez num bate-papo sobre processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, a formação humana dos alunos e suas múltiplas dimensões, adequação do currículo escolar e a formação de alunos com a BNCC na prática e muito mais!
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