“Caos é imprevisibilidade e não falta de ordem.”
(Cornelis Kees de Bot)
Quando o educador se prepara para ensinar uma outra língua aos aprendizes, ele normalmente pensa numa forma de abranger todos ao mesmo tempo. No entanto, a Teoria da Complexidade nos alerta que cada pessoa aprende uma língua adicional de forma diferente.
Pense em como as pessoas aprendem habilidades como nadar, desenhar ou dirigir, por exemplo. Cada uma tem suas dificuldades e aptidões, precisando de suporte em diferentes áreas, certo?
É comum a ideia de que todos caminham juntos na aprendizagem, por isso é difícil não tentarmos seguir um padrão, uma “receita”, para atingirmos os nossos objetivos quando planejamos uma aula. Outro motivo para pensarmos desta forma é, possivelmente, não termos aprendido a trabalhar com turmas heterogêneas.
Aquisição de segunda língua
Ao longo da história, muitos linguistas estudaram a questão de como a segunda língua é adquirida e muitos métodos e abordagens surgiram desses trabalhos. Você já deve ter ouvido falar em Grammar Translation, Audiolingualism, Total Physical Response, Silent Way, Communicative Language Teaching e Task-based Learning, que usam conceitos como gramática universal, automatização de hábitos, aculturação, interação e mediação para explicar o processo de ensino e aprendizagem.
Há também estudos como os de Judie Haynes que tratam das diferentes etapas da aquisição de segunda língua (Silent Period, Early Production, Speech Emergence, Intermediate fluency e Continued language development / advanced fluency), que apresentamos em nosso artigo “Falar Inglês: diferença entre aprender e adquirir a segunda língua”, publicado em 2020.
Podemos ver um pouco de tudo isso por aí, mas será que essas ideias nos oferecem a melhor forma de pensar? Em tempos em que enciclopédias, dicionários, livros e filmes cabem no bolso, em que podemos nos comunicar em tempo real com pessoas nos quatro cantos do mundo, como devemos tratar a língua(gem)?
Língua(gem)
Diante da complexidade, é comum fragmentar a língua e ensiná-la sequencialmente de forma linear (present simple, freetime activities, present continuous, past simple, etc.). Contudo, numa simples conversa sobre o tempo, por exemplo, uma infinidade de estruturas e vocabulário podem surgir. É preciso, portanto, identificarmos o conceito de lingua(gem) antes de seguirmos em frente.
Segundo Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, a língua(gem) é um
“sistema dinâmico não linear e adaptativo, composto por uma interconexão de elementos bio-cognitivo-sócio-histórico-culturais e políticos que nos permitem pensar e agir na sociedade.”
(Paiva, 2011a, 2011b, p. 144)
Desta ótica, podemos perceber que a língua(gem) não se trata apenas de regras e estruturas gramaticais.
Diante da complexidade da língua(gem) e do mundo em que vivemos, Diane Larsen-Freeman, uma das defensoras da Teoria da Complexidade, diz que a língua nunca é adquirida, porque há um começo, mas não há um fim. Não haverá um momento em que o aprendiz dirá “Pronto! Adquiri esta língua.” O processo está em constante progressão. É possível, sim, dizer-se satisfeito quanto à sua proficiência ou não, mas, independentemente disso, sempre haverá mudanças. Para ela, a aprendizagem da língua é como um ciclo que se auto-organiza.
Larsen-Freeman (2002), citando Paul Hopper (1988), também afirma que a língua(gem), no que diz respeito à gramática, está em constante evolução: qualquer estabilidade que possa haver dentro dela é, na verdade, passageira, pois sempre fazemos ajustes, melhoramentos e renúncias.
Em outras palavras e de forma metafórica, o uso da língua(gem) é como escolher uma fruta: segurá-la, apalpá-la para checar se está madura, observar a cor, sentir seu aroma e decidir se irá comprá-la ou deixá-la. Todo esse processo acontece muito rapidamente em nosso cérebro. O mesmo acontece no que diz respeito à língua(gem).
Outra ideia sobre a complexidade da linguagem é a de que ela é fractal. Encontrados com mais frequência na natureza, fractais possuem formas geométricas únicas, como os flocos de neve. Cada fractal congelado tem detalhes específicos, mas também tem características gerais em comum com os outros. E assim é a língua(gem).
Teoria da Complexidade
E além de termos os nossos próprios processos de aprendizagem, sem a interação com o outro a aquisição da língua não acontece. Segundo Paiva (2011a, 2011b, p. 146) a língua é passada adiante culturalmente e o processo de sua aprendizagem é acumulativo em cada um de nós e entre as pessoas. O output de um falante (sua produção oral ou escrita) é o input do outro (recepção por escuta ou leitura).
E se a linguagem tem a comunicação como fenômeno social, em vez de memorização, repetição e exercícios mecânicos, é melhor propor também atividades com práticas sociais.
Aprendemos por meio do que foi feito pelo outro, do que ele produziu em conversas, textos, músicas, filmes, videogames, por meio de práticas sociais que alguém realizou, inclusive nós mesmos.
Além da língua e sua própria complexidade, existem muitos outros fatores que influenciam sua aquisição:
“idade, aptidão, fatores sociopsicológicos como motivação e atitude, fatores de personalidade, estilos cognitivos, hemisférios do cérebro, estratégias de aprendizagem, sexo, ordem de nascimento, interesses, etc.”
(PAIVA, p. 147)
Isso significa que, dentro de uma mesma sala de aula, podemos encontrar diversos graus de proficiência.
Equidade
Para lidar com isso, é preciso que haja equidade para os aprendizes, bem como sua cultura e comunidade a que pertencem. Isso assegura ao/à professor(a) que todos sejam envolvidos de forma igualitária, independente do contexto, repertório e história pessoal.
Para isso, os aprendizes precisam:
- De Group e Pair work: saber quando e como agrupar os alunos é benéfico para todos os envolvidos. Misturar os que têm mais experiência com os que têm menos ou juntar os que têm níveis similares de experiência na língua deve ser bem pensado. Como a teoria da complexidade defende a interação, propor atividades em que há práticas sociais entre os alunos é um prato cheio para a aquisição da segunda língua e a ampliação de repertório.
- De Whole Class Instruction: evite pensar nos alunos como caixas vazias. Eles são seres pensantes, com conhecimentos prévios e também são responsáveis por sua aprendizagem. Assim, durante as instruções, faça perguntas que façam sentido e que os instiguem a pensar. Não deixe todo o trabalho mental para você.
- Participar de diferentes maneiras e de acordo com suas habilidades linguísticas: por conta dos diferentes níveis de experiência na língua, bem como múltiplas identidades, é importante assegurar aos alunos que eles devem participar das atividades propostas da forma que se sentirem confortáveis. Às vezes desenhando, às vezes escrevendo e lendo, gesticulando, etc. Aos poucos, eles ganharão confiança, desenvolvendo a língua adicional.
Para finalizar, vamos retomar a citação no início deste artigo: “Caos é imprevisibilidade e não falta de ordem”. Diante da complexidade do mundo, da língua e dos alunos, é quase inevitável não enxergar um estado caótico. Lembre-se, contudo, que com organização e planejamento a aquisição de segunda língua se dá de forma natural.
Para saber mais sobre o assunto, sugerimos a leitura de “Aquisição de Segunda Língua”, de Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva.
- Educação Infantil: 5 Dicas Fundamentais de Acolhimento Escolar - 9 de agosto de 2024
- Empoderando Educadores: O Simpósio de Educação Bilíngue como Fonte de Inspiração e Aprendizado Prático - 24 de abril de 2024
- Nursery rhymes: por que são tão importantes para o desenvolvimento infantil? - 10 de abril de 2024